Construção sem fim
Sérgio da Costa Ramos - Diário Catarinense.
A Constituição do Brasil não tem fim. Todo deputado gosta de colocar em seu currículo: “autor da PEC número tal”. Emendar a Carta Magna é uma obsessão de todos os dias. Ao contrário dos países de democracia consolidada, onde uma Constituição é um edifício “tombado” e intocável, pouco sujeito a “puxadinhos”, aqui, qualquer assunto, mesmo os mais prosaicos e subalternos, tem um “padrinho” para baldeá-lo para dentro da grande arca institucional.
Agora, querem criar nada menos do que 23 novos Estados-Federativos. Uma festa para alguns vice-reis, ao custo de bilhões. O atual número de unidades da federação brasileira – vinte e sete – deveria constituir “cláusula-pétrea” da Carta de 1988. Mas deixaram uma porta aberta para o gasto público, o populismo, a insensatez.
Constituição é como se fosse o corpo e a alma de uma nação. Cabeça, tronco e membros. Tão mais equilibrada, saudável e longeva será esta carta de princípios, quanto mais sólido e consolidado for o seu organismo legal. Assim, tanto mais séria e funcional será esta nação.
A Constituição de Filadélfia, de 1787, é um marco na história dos povos e dos direitos humanos. Sobrevive nos EUA há 224 anos, como uma carta de princípios, com poucos artigos e 23 emendas, dez das quais compõem o [Bill of Rights], coração da democracia moderna: os direitos de livre expressão, imprensa, reunião, religião e petição junto ao Judiciário.
No Brasil, de 1834 a 1988 - oito constituições, algumas outorgadas – o “retrato” é difuso e confuso, tanto quanto pode ser confusa uma nação presidida por uma Carta de quase 500 artigos e mais de cinquenta emendas, algumas tão “desimportantes” quanto a que autorizou as Câmaras Municipais a aumentarem seus plenários. Ou seja: até “boquinha” para novos vereadores passou a ser parte integrante do remendado texto constitucional… Temos aqui um sério problema de “cultura” deletéria, de vício rapinante: se não deu pelo caminho legal, invente-se a saída, o jeitinho, a fórmula de tornar legal o ilegal e o imoral. Mexe-se na Constituição do Brasil como se esta fosse uma letra de samba experimental numa roda de bambas da Mangueira. Ou um “clip” enlouquecido da energética Madonna. Não há deputado ou senador que não tenha apresentado a sua “PEC”, na expectativa de perpetrar o seu mesquinho casuísmo.
Os mesmos autores da emenda da reeleição presidencial pretendem agora apresentar outra PEC, desta vez pela sua extinção. Nunca houve, aqui, uma eleição presidencial que repetisse as regras da anterior, como acontece desde George Washington nos EUA. Temos a “fulanização da Constituição”, porque a Dilma, o Serra, o Aécio, o Lula, o Sarney…assim o querem.
Há um verso de Cecília Meirelles no “Romanceiro da Inconfidência”, cuja paródia bem se aplicaria a essas reuniões noturnas de Câmaras Municipais, tentando votar, na surdina, os projetos de sua própria expansão. Escreveu a poeta da liberdade:
Atrás de portas fechadas/ À luz de velas acesas(…) O que estão fazendo tão tarde?
Ora, [Entre sigilo e espionagem,/
Planejam mais uma pilhagem…
Votar “em causa própria” já é uma aberração. Criar novas vagas de vereador, com os únicos votantes sendo os próprios interessados, é um estelionato. Mais um dos tantos que os políticos se habituaram a perpetrar contra o eleitorado indefeso. O Brasil será mais livre e mais respeitado no dia em que deixarem a sua Constituição em paz, senhores autores de remendos.
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